“Shame”: Vínculo Afetivo e Compulsão Sexual

Shame é a história de Brandon, um compulsivo sexual, que convive com a dependência e a fantasia sexual.
Tempo de Leitura: 25 minutos
Postado originalmente em: 15/12/2021

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Shame é um filme americano de 2011 sobre a história de Brandon (Michael Fassbender) e Sissy (Carey Mulligan). Brandon é um homem com compulsão sexual, marcado por atitudes de dependência e fantasias sexuais, tendo de conviver com seu trabalho e traumas do passado. Sissy, sua irmã, tem comportamentos suicidas e dependentes emocionais. É importante citar que esse filme possui cenas potencialmente sugestivas sobre suicídio e que esta análise possui spoilers.

Abaixo você pode assistir o trailer:

Shame

Primeiramente é extremamente importante separar todo e qualquer julgamento moral dessa conversa. A intenção desse artigo não é apontar o que é certo ou errado em qualquer âmbito. Pretendo afastar a culpa ou aversão e tentar compreender o personagem, quanto atitudes, relacionamentos e sentimentos.

A palavra Shame, em tradução literal do inglês, significa Vergonha, entretanto, o título não recebeu tradução para o português. Acredito que essa explicação seja relevante porque a vergonha e a exposição são constantes nos comportamentos do personagem principal, principalmente nas ocasiões de manifestação sexual.

A vergonha se torna um sentimento muito importante nessa película, porque simboliza uma concepção de indivíduo frente a sociedade, de louvável e deplorável, de sexo permitido e proibido. Brandon se envergonha após situações nas quais é exposto no seu lado mais compulsivo, ressentido, violento, traumatizado e arrependido de si mesmo, de suas atitudes e práticas.

O sexo para ele não é um ato de desejo, mas um ato de descarga, de liberação de energia e, principalmente, de alívio de sofrimento. Ele tem no outro indivíduo com quem se relaciona sexualmente um uso, uma demanda, um meio, um caminho para liberação de si, mas não percebe o outro como indivíduo. Tanto que, após o sexo, Brandon não demonstra felicidade ou aquele amortecimento após o orgasmo, mas sim um rosto de dor, marcado por uma expressão de resistência, de tentativa de suporte a si mesmo.

A intenção aqui é, primeiramente, a decupagem do filme, nas suas cenas mais importantes, e depois a análise dos comportamentos em relação com o que a teoria psicológica estipula sobre saudável e não-saudável quanto à sexualidade.

Primeiro dia: A Fantasia Sexual

O início de Shame é marcado por uma cena confusa e que se inverte rapidamente, representando um mesmo dia em diferentes cenas.

A primeira mostra Brandon em um metrô, parecendo observar os passageiros, quase como se procurasse alguém interessante, então encontrando uma garota ruiva, com um semblante preocupado e aparentemente triste. Ele fixa os olhos nela, tentando demonstrar interesse. Inicialmente gentil, com um rosto simpático, ela rapidamente inverte sua expressão mostrando estar sexualmente interessada, com olhares fixos enquanto aperta suas pernas no assento do metrô. Poucos segundos após, ao chegar seu ponto de descida do metrô, percebemos que Brandon estava fantasiando aquilo e que, na verdade, a garota estava com muito medo e vontade de fugir. Ele fantasiava ser desejado fisicamente, mas tudo que conseguiu foi assustar e afastar as pessoas.

A segunda cena em simultâneo parece falar sobre a noite anterior, na qual Brandon chama uma garota de programa para seu apartamento, eles transam, a garota vai embora e ele acorda no dia seguinte com a primeira imagem do filme. Ele olha para o teto, inerte, sem sentir ou agir em nenhuma estância, longe mentalmente, mas também aparentemente cansado. Repentinamente se levanta da cama nu e vira o corredor para a cozinha, tocando o telefone para ouvir as mensagens. Uma garota lhe chama, com insistência. Mais tarde descobrimos que se trata de sua irmã. Ao que a mensagem termina, ele está se masturbando no chuveiro.

A continuidade mostra mais tarde em seu dia, no trabalho que, após uma reunião, Brandon tem seu computador levado porque estava com algum vírus. Nesse momento ele vai ao banheiro, limpa a patente e começa a se masturbar, segunda vez no mesmo dia. Esse ato de masturbação parece uma atitude compensatória para a vergonha e a culpa de possivelmente ter sido exposto no ambiente de trabalho. A masturbação entra, então, como uma forma de aliviar a ansiedade e o medo de ser descoberto como uma pessoa com problemas sexuais.

Ao final do dia, ele chega em casa, abre seu computador e começa a assistir pornografia enquanto janta e ouve seu celular tocar, para ouvir outra mensagem de sua irmã. Visivelmente insatisfeito e indiferente ele continua a assistir seu pornô.

Acredito ser importante dar olhar ao apartamento de Brandon, todo em vidro, transparente, à mostra, visível para todos. Algo exposto, uma vida exposta, em contrassenso com o comportamento dele. Por um lado Brandon não se esforça em esconder quem é ou o que faz dentro de casa, mas fora do apartamento ele age de forma ressentida, tendo medo do julgamento.

Segundo dia: O Vínculo Familiar

No dia seguinte, Brandon fantasia com sua colega de trabalho, Marianne. Sentado em sua mesa, inerte, com olhar distante e sem atitude. Apesar de trabalharem juntos, não houve menção ou conversa entre eles. Denota-se que ela é a garota com a qual ele se interessa no momento, mas não há algo diferente do sexual.

O trabalho parece não ter muita relevância e no final deste dia, há uma comemoração de equipe pela reunião bem-sucedida. David, seu chefe, é casado e tem filhos, mas não se importa em flertar com algumas garotas no bar, contudo ele claramente não sabe se portar e acaba passando vergonha. Logo Brandon chega e se inicia uma competição velada entre chefe e colaborador. David tenta alongar a noite, mas acaba sozinho, sendo levado ao taxi por Brandon, o qual tenta voltar para casa a pé, mas é abordado pela garota que seu chefe se interessou, terminando em uma transa casual embaixo de um viaduto.

Ao chegar em casa, ele vê a porta destrancada e uma música alta tocando. “I want your love”, (“Eu quero seu amor”) de CHIC. Tenso e alerta por imaginar um invasor na casa, ele pega um taco de baseball e, ao entrar no banheiro, encontra sua irmã tomando banho e visualiza de forma rápida e (nem tão) discreta seu corpo nu, voltando a sala para encontrar seu cachecol, cheirando o perfume nele. Na mesma noite, novamente assistindo pornô, Brandon ouve Sissy conversar com o que parece ser um namorado. Ele se entristece ao ouvir o lamento da irmã, se compadecendo e, aparentemente, querendo acolher, proteger, mas sem tomar atitude.

Terceiro dia: Sobre o passado

Pela manhã, Brandon faz café da manhã para a irmã e, relutante, aceita que morem juntos por um tempo. Em seguida vemos uma das cenas que remontam uma memória infantil, com Sissy e seu comportamento autodestrutivo e suicida ficando na beira da estação de metrô, e Brandon protegendo a irmã de forma distante emocionalmente.

Sissy e Brandon

Ao chegar ao trabalho é confrontado pelo chefe novamente, o qual lhe diz para saírem esta noite novamente. Brandon fala que sua irmã irá tocar em algum bar e David o desafia, dizendo que “That sounds a lot of fun and it will ruin your nail”, em tradução livre, “Isso é ótimo, vai acabar com seu charme”. Frustrado, Brandon vai ao banheiro, se masturbar novamente.

Esse comportamento de Brandon para se masturbar frente algo frustrante é muito comum. O orgasmo eleva níveis de dopamina no corpo humano, trazendo relaxamento, portanto seria uma forma de busca por recompensa constante, sempre que há algo que deixa Brandon triste, inseguro, infeliz ou irritado, ele busca a masturbação. Por esse e outros motivos, a masturbação pode sim se tornar um vício.

David e Brandon chegam no restaurante e ouvem Sissy cantar. Ao cantar, Sissy atinge emocionalmente o irmão, fazendo-o chorar, talvez trazendo lembranças de infância, mas sem explicação clara. David se encanta por Sissy e flerta com ela, os três juntos vão ao apartamento de Brandon, no qual David e Sissy transam. Brandon mostra evidente fúria e descontentamento no caminho até sua casa e também enquanto ouve a transa deles. Transtornado, tira a roupa e sai para correr pelas ruas de Nova York. Considerando que ele sai do apartamento no início da transa e volta quando David já foi embora, podemos pensar que sua corrida foi longa.

Diferente de outros momentos, nos quais poderia novamente se masturbar, ele optou por apenas fugir daquele lugar. Não apenas porque a masturbação seria também uma forma de relação sexual, e poderia deixar ainda mais difícil esquecer sua irmã transando com seu chefe, mas também porque não seria possível um confronto, já que Brandon não enfrentaria seu chefe.

Brandon é tão inábil e ineficiente para lidar com seus sentimentos que, quando exposto, se sente acuado, age com agressividade ou foge, sendo que o mais saudável seria saber expressar seus sentimentos verbalmente, assim podendo estabelecer limites. Tanto que, ao voltar, sua cama ainda está bagunçada pela transa da irmã e, após trocar a roupa de cama e tentar dormir, Sissy ainda tenta se aproximar, sendo repreendida e agressivamente expulsa do quarto. Aqui se mostra uma dualidade do vínculo e relação confusa entre irmãos.

Sissy procurou o sexo com David mas tentou o afeto e acolhimento com o irmão logo após a transa, sabendo ter desrespeitado o irmão pelas regras de sua casa, mas Sissy não sabia que sua vida sexual seria afrontosa para o irmão. Fica a dúvida se houve uma relação incestuosa no passado, mas é clara a fantasia sexual de Brandon com a irmã.

Quarto dia: Culpa e Vergonha

O dia seguinte marca a volta do computador de Brandon, o alívio de não suspeitarem de que ele é o responsável pela pornografia e o flerte claramente frustrado com Marianne. Achando que seu olhar fixo a atrairia, ele apenas pareceu uma pessoa bem esquisita. Não fica claro quem faz o convite, mas eles marcam um encontro. Brandon vai a pé para o restaurante e, no caminho, vê um casal transando na janela de um prédio e observa com atenção.

A cena seguinte mostra sua chegada ao restaurante. Brandon observa de fora, mostrando um rosto nervoso e apreensivo, deixando Marienne esperando sozinha na mesa. Aqui fica uma dúvida interpretativa sobre se o motivo de seu semblante ser a ansiedade do encontro ou a cena sexual que acabara de observar. Talvez a segunda hipótese se fortaleça em outras cenas do filme, nas quais Brandon demonstra um rosto de tristeza, cansaço, abatimento e até sofrimento após o sexo.

Ao chegar, depois de uma conversa casual, Marienne começa a perguntar sobre sua vida, família, onde nasceu. Brandon traz resposta claras, mas que não agradam. A situação vai piorando conforme Brandon fala sobre sua descrença no casamento, questionando “não entender o porque alguém gostaria de se casar nos dias atuais”, logo após Marianne falar sobre seu divórcio recente, e também quando fala que seu relacionamento mais longo durou quatro meses. Essa cena fala sobre ideais de relacionamento e vínculos muito diferentes. Marianne, vinda do Brooklyn, possui um ideal de relacionamento romântico de pessoas “conectadas” com casamento e família grande. Brandon falou pouquíssimo de sua família, apenas que nasceu na Irlanda e tem uma irmã.

Brandon está tão envolvido na situação, que vemos o primeiro momento (e único) no filme, no qual ele realmente está feliz e contente. Momento seguinte, andando juntos na rua, pergunta a Marianne onde e quando ela gostaria estar se pudesse escolher. Ele fala que queria ser um músico nos anos 1960 e ela fala que queria estar aqui e agora. Ele fala de uma realidade que se identifica, mas ignora que Marianne, negra, obviamente não gostaria dos anos 1960, porque foram os anos de maior perseguição aos negros nos Estados Unidos, e Marianne tenta lhe envolver novamente, ao falar que gostaria de estar exatamente ali, vivendo aquele momento, para ela, romântico. Não suficiente, ao chegar na estação de metrô de Marianne, fica exposta novamente a inabilidade afetiva de Brandon, que não percebe a hora certa de dar um beijo em Marianne, quando ela claramente o estava esperando.

Depois do final do encontro, Brandon volta para casa e não encontra sua irmã. Ao entrar em casa já volta ao seu ritual padrão, abre o computador, pega algo para comer e vai se masturbar no banheiro. No meio tempo sua irmã chega e ele é pego enquanto se masturbava. A vergonha de Brandon é elaborada de forma violenta e intimidadora, possivelmente remetendo à momentos, talvez da adolescência, pode ter sido punido pelas vias sexuais. O sentimento rapidamente muda quando, após a violência com sua irmã, ele se tranca no banheiro, com um rosto visivelmente culpado e aflito. Sissy se desculpa, não apenas por não saber como lidar com a situação, mas também porque percebe que tem um problema. Entretanto, logo na sequência Sissy se senta em frente ao computador e vê um show de webcam aberto, sendo criado outro conflito entre irmãos, fazendo Sissy sair de casa.

O imediato abandono da irmã faz com que Brandon nos mostre um rosto de culpa e tristeza. Em asco e vergonha de si mesmo, ele parte a todos os conteúdos pornográficos que tem, juntando revistas, computadores, brinquedos sexuais e muito mais, colocando tudo no lixo. Sua posição antes e depois desse acontecimento, sentado, segurando suas pernas, uma posição de proteção, acuado, envergonhado, exposto, remonta uma tentativa de se esconder.

Quinto dia: Falha Sexual e Medo do Afeto

Logo pela manhã no escritório, ele puxa Marienne e a beija, rapidamente a levando para, o que parece ser, um quarto no mesmo prédio em que antes vira um casal transando na janela, logo antes do seu primeiro encontro com Marienne. A cena é muito rápida, mas Brandon cheira uma carreira de cocaína. O personagem estava tão ansioso e temeroso pela situação de transar com ela que preferiu estar sob efeito de alguma droga para ignorar alguns pensamentos e sentimentos, contudo, isso se vira contra ele. Os dois tentam transar, mas Brandon tem um episódio de disfunção erétil. Marienne é compreensiva e atenciosa, mas Brandon, frustrado e incapaz de lidar com sua limitação, é ríspido e a pede para ir embora.

Os dois encontros deles são os únicos momentos do filme que mostram Brandon feliz, envolvido e animado por estar convivendo com alguém. Acredito que aqui se estabeleça um sentimento inédito para ele, algo mais que o puramente carnal e efêmero sexo. Ele parecia realmente gostar de Marienne e queria realizar uma fantasia sexual com ela, transando na janela, em um exibicionismo em plena luz do dia. Pode-se dizer que ele, até então, tratou todas as pessoas com as quais se relacionou como objetos. Marienne, por outro lado, foi vista como sujeito, como um indivíduo que se quer conquistar, algo maior que apenas uma fonte de prazer sexual. Esse momento é uma quebra para ele, inábil para lidar com um ser humano de verdade, ele não consegue sustentar ou legitimar seu sentimento e vontade de vinculação, então acaba sendo sabotado pelo próprio corpo.

Poderia-se pensar também, de forma simplista, que toda essa situação se manifestou devido ao uso de cocaína, o que, de fato, poderia ter gerado uma disfunção erétil. Contudo, isso é desmentido logo em seguida, quando Brandon chama outra garota para o mesmo quarto, realizando sua fantasia sexual com outra garota, pela qual não sentia nada afetivo.

Sexto dia: Comportamentos de Risco

No dia seguinte Brandon assiste desenhos infantis, quando sua irmã chega. Sissy estava ligando para David, chefe de Brandon, deixando mensagens na caixa de mensagens, se enganando, dizendo para si mesma que ele estava na “aula de cerâmica” e por isso não atendera. Raivoso, Brandon a diz que ela é repulsiva, e que David não vai transar com ela novamente. Ele trata a irmã com asperesa e de forma inquisidora e abandonante, ao fim da conversa a dizendo para encontrar outro lugar para morar.

Os irmãos Brandon e Sissy tem vários conflitos internos em comum, o mais à mostra é a dificuldade de vinculação afetiva. Enquanto Brandon se relaciona sexualmente da forma mais repetitiva e compulsiva possível, incapaz e, pode-se dizer também amedrontado, da afetividade; Sissy tenta se vincular com tanta força que acaba por depender. Na primeira noite sob mesmo teto Brandon ouve a irmã chorar ao falar com o namorado, após recebe o mesmo tratamento de David, além do tratamento de Brandon, que desde sempre foi distante e abandonante.

Brandon sai do apartamento e vai sozinha ao bar, flertando com uma garota e logo após levando uma surra do namorado dela. As cenas seguintes mostram a mesma expressão facial de vergonha. Depois de ter apanhado, ainda tenta ir a outro bar, sendo barrado pelo segurança. Do outro lado da rua, contudo, encontra um bar LGBT. no qual vai às salas reservadas e recebe um sexo oral de outro homem.

Ele sai do bar e, na rua, ouve uma mensagem de voz da irmã. Ela suplica por atenção. Sissy só queria que ele atendesse o celular. Brandon a ignora e segue, ainda insatisfeito, para um apartamento no qual transa com duas mulheres ao mesmo tempo. Enquanto a transa acontece, a mensagem de voz de Sissy toca, dizendo que “Nós não somos pessoas más, só viemos de um lugar ruim. Obrigado por me deixar ficar”. A mensagem de Sissy era um pedido de ajuda, mas também uma mensagem de despedida.

No dia seguinte, Brandon está no metrô, voltando para casa, quando o trem pára e ele se lembra da irmã. Parece ter ocorrido um acidente envolvendo alguém nos trilhos, mas não há explicação, ele sai logo do metrô e ouve as mensagens de Sissy, receoso, prefere ligar para ela, contudo o celular dela está desligado. Então ele começa a correr até o apartamento para encontrar sua irmã atentado contra sua vida. Ele liga para emergência e logo Sissy está no hospital, aparentemente se recuperando.

A penúltima cena do filme acontece quando Brandon, parecendo ter saído para correr e chegar ao Pier, se depara com as consequências de suas atitudes com a irmã e o quanto sua compulsão lhe fez ignorar tudo que ela estava sentindo. A última cena do filme, entretanto, consegue ser ainda mais emblemática quando Brandon, dentro do metrô, se depara com a mesma garota do início do filme, agora muito mais forte, lhe olha fixamente. É esse o momento no qual Brandon se vê com uma escolha, continuar com seus comportamentos sexuais ou mudar a forma como lida com as pessoas perto de si.

Compulsão Sexual

Inicialmente, pode parecer difícil diferenciar uma pessoa com compulsão sexual de outra pessoa que apenas gosta muito de sexo e tem bastante libido. Contudo, essa dúvida é rapidamente respondida quando percebemos que a Compulsão Sexual não é uma atitude isolada, mas sim algo persistente, recorrente e que, necessariamente, traz prejuízos à vida social, laboral ou amorosa.

Dessa forma, um compulsivo sexual busca uma recompensa e, muitas vezes, tem muito trabalho para conseguir o sexo, contudo isso não é empecilho suficiente para desistir. Os sintomas e comportamentos são insistentes e insaciáveis, não adianta tentar trocar o apetite sexual por outra via, como a comida, o compulsivo sexual continuará com vontade da procura sexual.

Podem haver prejuízos dos mais diversos à vida. Fica difícil se focar no trabalho quando há pensamentos sexuais persistentes e difíceis de mandar embora, dessa forma, o compulsivo pode não conseguir manter um emprego ou tarefas diárias. Além disso, o demasiado apetite sexual pode arruinar relacionamentos amorosos, já que é difícil se relacionar com uma pessoa que quer transar várias vezes ao dia, sempre de forma longa e específica. Quando não suficiente, além da relação sexual, o compulsivo ainda recorre à pornografia e masturbação, ou prostituição.

Alguns compulsivos sexuais podem ter comportamentos intimidadores, agressivos e violentos, podem forçar a outra pessoa ao sexo. Contudo, a grande maioria agirá de forma dualista, escondendo esse seu lado sexual, agindo de uma forma socialmente e de outra forma sexualmente.

Conteúdo pornográfico

A Compulsão anda muito próxima da Dependência em Pornografia. Isso porque a pornografia fornece realização de desejos muito íntimos e que dificilmente podem ser realizados na vida real longe das câmeras. Brandon já aparece no filme como dependente da pornografia, provavelmente já a utilizando há vários anos. A questão é que, depois de vários anos a utilizando, os gostos e preferências vão se modificando e ficando mais específicas.

No início se assiste pornografia com posições e histórias comuns. Depois de algum tempo esse tipo de conteúdo se torna menos interessante e o usuário vai para outros tipos de conteúdo, por vezes mais violentos, transgressores ou abusivos. Cria-se um novo limiar de satisfação. O pornô “normal” já não é suficiente para se satisfazer e procura algo novo, que depois de um tempo também já não será suficiente e deverá ser atualizado para outro conteúdo, ainda mais irreal.

Essa prática pode trazer consequências, tanto físicas quanto psicológicas. A pornografia traz um modelo de masculino, feminino, sexo e sexualidade muito diferente do que encontramos nos relacionamentos reais. Diferente do que aparecem nos vídeos, ninguém gosta de ser assediado na rua, nem fará sexo no meio de um parque com várias pessoas assistindo ou é comum encontrar pessoas com seios enormes e pênis com 25 centímetros de comprimento. Esses são apenas alguns exemplos de nuances que o pornô traz para quem o assiste.

Além, a masturbação cria uma dependência porque o orgasmo libera neurotransmissores responsáveis pela satisfação, bem-estar e relaxamento. Por isso é tão forte a adesão à pornografia, porque traz um estímulo rápido e forte para que a pessoa estressada se sinta melhor, contudo traz também um condicionamento, ficando cada vez mais propícia a masturbação e não o sexo.

A pornografia pode afastar relacionamentos, não apenas por muitas vezes haver julgamentos morais frente o que é assistido, mas também porque o usuário prefere a realização de suas fantasias no pornô do que satisfazer uma pessoa real.

Tratamento

Como se trata de um conglomerado de pensamentos, sentimentos e comportamentos, além de uma dependência, o tratamento deve ser feito com Terapia Cognitivo-Comportamental e, em alguns casos, também é necessário o acompanhamento psiquiátrico, provavelmente com antidepressivos ou medicamentos para controle de impulso.

No filme percebemos que Brandon não esboça uma face de prazer ou felicidade após o sexo, e sim de sofrimento e dor. Não há real recompensa para o compulsivo sexual, apenas um restart do ciclo. Agora que chegou ao orgasmo, ficará poucos momentos satisfeito, mas rapidamente voltará a procurar o sexo. Esse ciclo de procura constante traz muito sofrimento e aprisiona o paciente em autopercepções errôneas sobre si, seus pensamentos, sentimentos e comportamentos.

É comum que o compulsivo sexual traga com si um sentimento de culpa, parte construído na sociedade por julgamentos morais, e parte construída por si mesmo, por não conseguir mudar. Não podemos esquecer que, como se trata de uma compulsão, é difícil resistir à vontade de recorrer ao sexo, portanto, mesmo pacientes em tratamento há bastante tempo podem ter recaídas e dificuldades para voltar a ter uma relação saudável com o sexo.

Referências

  1. Trailer legendado de Shame
  2. Shame Story Presentation
  3. Disfunção Erétil: Sintomas e Tratamentos
  4. Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais – Mabel e Ricardo Cavalcante
  5. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5
  6. Comportamento Sexual – Dra. Carmita Abdo

Bruno Mello

Psicólogo e Sexólogo | CRP 08/24273 e CRP 08/03119

Atende no consultório particular de psicologia desde 2016, estuda relacionamentos, sexualidades, cognitiva, neuro, psiquiatria e outros assuntos. Gosta muito de cinema, arte, cultura e assina (quase) todos os serviços de streamings.

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