O filme “Direito de Amar”, 2009, direção de Tom Ford, conta a história de George, interpretado por Colin Firth, um professor universitário de Inglês, vivendo em Los Angeles, em 1962, casado há 16 anos com Jim, agora enfrentando o luto. É importante ressaltar que esse artigo contem spoilers e fala sobre suicídio.
Trailer:
A filmagem se inicia com a ligação de um parente de Jim, este foi seu parceiro por mais de uma década e acabou de falecer em um acidente de carro. A notícia vem por telefone, de forma escondida por um parente que era um pouco mais próximo do casal. Como agravante, a morte foi instantânea, impossibilitando então a despedida ou preparação para o luto, já que a família nunca aceitou o relacionamento deles e também não aceitaria a vinda ao velório. Mesmo morando juntos, o relacionamento dos dois sempre foi velado, escondido e proibido, principalmente em uma sociedade conservador dos anos 1960.
Apesar de morarem juntos, suas orientações sexuais são escondidas no meio social e trabalho. Diariamente George, professor, se apronta para suas aulas se adequando à sociedade quanto à comportamento e vestimenta, trajando sua máscara, misturando-se na multidão para ser apenas mais um, para esconder seu relacionamento, sua perda, seu luto e seu verdadeiro eu. Parte desse processo é um movimento de negação da perda, agindo como se nada tivesse acontecido, negando que perdera a pouco seu marido.
Por ter um relacionamento homossexual George se obriga a sofrer em silêncio, se esforçando diariamente para levantar da cama, elaborando lentamente sua perda, sonhando com um reencontro com seu marido, para que possa lhe ver pela última vez. Mesmo utilizando medicamentos antidepressivos, o luto foi forte o suficiente para lhe deixar desesperançoso e desamparado, não tendo mais motivação para trabalhar, além das lembranças constantes de seu parceiro e sua vida com ele. Isso o faz sofrer, entretanto não pode chorar, sua posição social e profissão o proíbem, mas também ajudam a se proteger, negando o que aconteceu.
Cada pessoa compreende a dor da perda e do luto de forma singular, lidando de formas muito atreladas à sua personalidade, possibilitando, ou não, uma saída saudável do luto. Logo no início do filme é mostrado que George já tendo perdido Jim há oito meses, já desesperançoso e, um pouco, desesperado. Hoje em uma casa grande e bela, porém sozinho e, como o próprio diz, com “medo de envelhecer sozinho”.
Seu parceiro era tão importante e presente em seus dias e cotidiano que agora há um esvaziamento de seus desejos, sua vontade de viver, um aumento constante da solidão e do medo da morte. Como lidar com tamanha perda se não houve nem chance de dar um último abraço, participar de um ritual de despedida, como o velório, ou mesmo ter alguém para compartilhar sua dor, como um amigo que possa ouvir e acolher?
Há uma metáfora visual utilizada para retratar o tempo, e a lentidão com que passa, sendo mostrados muitos relógios durante o filme todo, simbolizando o quão vagarosamente o dia passa sem a presença de seu amado e o quanto George sente sua própria vida mais vazia e próxima de um fim, letárgica e sem motivo de ser. O cotidiano é vagaroso, pesado, oneroso, George luta para enfrentar a rotina maçante enquanto enfrenta seu próprio luto e possibilidade de sua morte.
Em uma de suas aulas há uma troca sincera entre George e um de seus alunos, chamado Kenny. Parece haver aqui um desejo mútuo, mas Kenny não faz ideia do que George está passando, e continuará sem descobrir até o final do filme. George encontra em Kenny uma possibilidade afetiva, uma permissão para poder sentir-se vivo novamente. Conversas, presentes, trocas de afeto e intimidade levam eles a se aproximar. Mas George percebe, ao notar a inocência de Kenny, o quanto estava tentando estancar seu sofrimento de uma forma insustentável e, ainda mais, irresponsável com alguém jovem que tem a vida inteira pela frente, principalmente considerando que George tinha um plano de tirar a própria vida.
Ser aceito na sociedade
George se sente deslocado na sociedade, mas compreende claramente o quanto não pode se expor, o quanto seria perseguido pelo simples fato de existir. Infelizmente, em uma sociedade em plena guerra fria, movimentada pelo medo do diferente, de tudo que não cumpra um checklist de aceitável, George não pode ser ele mesmo. Isso fica claro nas suas palavras em sala de aula:
“Vamos pensar em outra minoria. Uma que… pode passar despercebida se necessário. Há minorias de todo tipo. Loiros, por exemplo. Pessoas com sardas. Mas uma minoria é considerada como tal… só quando constitui um tipo de ameaça à maioria. Uma ameaça real. Ou suposta. E é aí que reside o medo. E se for uma minoria de certo modo invisível… então, o medo é muito maior. É por causa desse medo que a minoria é perseguida. […] Talvez esse seja um medo real. Medo de envelhecer. De ficar sozinho. Medo de sermos inúteis. De que não liguem para o que dizemos.
O Luto e seus Estágios
O Luto é o processo de elaboração da perda de alguém querido, seja de fato a morte ou a falta, mesmo que ainda vivo, esta pode ser a perda de um cônjuge, um familiar, um amigo, ou mesmo um término. O enlutamento saudável costuma demorar até dois anos, ou seja, a grande maioria das pessoas que perde alguém importante demora até dois anos para compreender, elaborar e aprender a conviver com a falta.
Cada indivíduo e relacionamento possui um andamento próprio ao enfrentar a perda. Enquanto alguns podem se isolar, se deprimir, evitar familiares e entes queridos, outros agem com agressividade, autodestrutividade (com drogas, perigo, álcool), impulsividade, não medem consequências e agem de forma descuidada com a própria vida e com os outros. Resumindo, existem estudos que categorizaram o luto em estágios. Os estágios citados são referências da Psiquiatra suíça Elizabeth Kubler-Ross, sendo eles:
- Negação
- Raiva
- Barganha
- Depressão
- Aceitação
Não existe regra ou ordem em um processo de luto. Alguns passarão lentamente por todas as fases, outros aceitarão a perda com rapidez. De toda forma isso não simboliza um melhor aparelhamento psíquico. “Lidar melhor” com a morte não é uma habilidade a se desenvolver. Podemos citar, talvez como diferencial mais importante no luto, a profundidade da relação. Quanto mais bem estabelecida uma relação for, mais difícil poderá ser a elaboração da perda.
O estágio inicial, “negação”, é perceptível logo após a morte, quando não se permite sentir a perda, não se lida com a falta ou mesmo se ignora o fato. O estágio seguinte, “raiva”, é caracterizado pela revolta contra o mundo, contra a injustiça, iniciando a aceitação da perda, mas de uma forma agressiva, seja com palavras ou fisicamente.
Em seguida vem a “barganha” ou “negociação”. Neste é comum um mecanismo interno de troca, inicia-se uma aceitação mais calma e contemplativa, mas ainda relutante, marcada pelos questionamentos do “porque isso foi acontecer justamente com ele(a)” ou “eu aceitaria que fosse eu a morrer” ou “preferiria ter ido no lugar dele(a)”. A barganha se caracteriza por este essa proposta, “porque não o(a) poupou? eu teria morrido por ele(a)”.
O último estágio, por fim, é a “Aceitação”. Somente neste estágio estamos prontos para dizer adeus, seguir com nossas vidas e ressignificar a relação. Independente de quão bem elaborada a morte esteja, podemos não deixar de sentir saudade, entretanto aprendemos a conviver com a dor.
Como superar a perda
Não há caminho mais curto, nem segredo algum. Aos poucos, com o passar do tempo, cada um elaborará sua perda como pode, seja revivendo bons momentos, tentando esquecer, abandonando os locais que fazem lembrar da pessoa ou mesmo os visitando frequentemente. A fuga disso tudo, em realidade, é inútil. O sofrimento não está nas coisas, nas lembranças, no enterro, na convivência. O significante da dor está na compreensão das situações e em nós mesmos. Tentar fugir é ignorar o que o nosso próprio corpo diz. É crucial aceitarmos que precisamos sofrer a perda para aprendermos a supera-la. Relutar em sentir a perda também é negar o valor da pessoa perdida e negar a si próprio o direito de dizer o quanto sente falta.